HISTÓRIA DA MEDICINA


A ÁRVORE DE HIPÓCRATES



Nota de Direito Autoral:  O texto deste artigo foi publicado em 2009  no livro "À sombra do plátano" pela Editora UNIFESP. A reprodução do mesmo por meio impresso ou eletrônico requer autorização prévia da Editora [http://www.fapunifesp.edu.br fone: (11) 3369-4000]


       Na ilha de Kós, na Grécia, bem  no  centro  da  cidade, há  uma  árvore  milenar, Platano orientalis, conhecida  como A árvore de Hipócrates. À sua sombra, segundo a tradição, Hipócrates reunia-se com seus discípulos1. É hoje um local de visita obrigatória para os turistas.
       Não importa saber se é ou não a mesma árvore do século V a.C., à sombra do qual Hipócrates fazia suas preleções. O importante é que ela é um símbolo do nascimento da medicina racional e científica que sucedeu à medicina mágica e sacerdotal dos povos primitivos e uma lembrança do maior legado que nos deixou Hipócrates e sua escola - os princípios éticos que constituiram as bases da deontologia médica e conferiram dignidade ao médico2.

         Das raízes do plátano de Hipócrates brota a seiva que alimenta e vivifica os seus ramos. Suas folhas se renovam a cada primavera, assim como os sucessores de Hipócrates se renovam a cada geração. Os ideais que nela se retratam, porém, permanecem vivos, a indicar os valores perenes da medicina: a busca da verdade, o respeito à vida, o amor à arte médica, a solidariedade humana, o desejo de servir, a conduta digna, o interesse sincero pelos que sofrem. 
        Tal como a árvore que resiste às intempéries e segue vicejante, assim também a medicina mantém sua trajetória através dos séculos, vencendo as dificuldades e produzindo frutos. Nem sempre a estrada percorrida foi retilínea. Falsos caminhos foram trilhados e, a seguir, abandonados, com a correção de rumo, no firme propósito de desvendar os mistérios da vida e os enigmas das doenças.
        Nesta longa caminhada da medicina no tempo, muitas foram as doutrinas e teorias que embasaram a prática médica e muitos foram os episódios que marcaram a sua história; episódios que refletem a centelha do gênio; que revelam a resistência a toda idéia inovadora; que mostram a falácia do raciocínio lógico e as limitações da inteligência humana; episódios que identificam as descobertas feitas ao acaso, por intuição ou serendipidade; episódios pitorescos e circunstâncias felizes que concorreram para o progresso da medicina. E também episódios dramáticos oriundos dos atributos negativos do ser humano, manifestados por incompreensão, inveja, ambição, intolerância, arrogância e prepotência.
        Em todo o percurso houve erros e acertos, avanços e retrocessos.
        Este livro é uma modesta coletânea de crônicas que relatam alguns desses episódios, seus personagens, e as concepções que nortearam o pensamento médico em cada época. São crônicas isoladas, sem um ordenamento temático ou cronológico, muitas das quais já publicadas na imprensa médica ou divulgadas através da Internet.
        Em nenhum momento assumimos a ingênua postura de críticar, com base nos conhecimentos atuais, os fatos, teorias e doutrinas que imperaram no passado. Narramos os acontecimentos de maneira objetiva, sem emitir elementos de juízo, na certeza de que todos os participantes da jornada deram o melhor de si na época em que viveram, convictos da correção dos fundamentos que balizaram suas decisões e condutas.
        Uma das qualidades essenciais do médico é a humildade para compreender o passado e reconhecer que muitas verdades do presente poderão ser renegadas como errôneas no futuro.
 
 

Referências bibliográficas

1. R.H. Major, A history of medicine, 1954, p.138.
2. J.A.C. Aguirre, El legado de Hipocrates, 1938
     

J.M.Rezende
2004