DIABETES
Deve-se a Araeteus (Sec.
II d.C.) a denominação de diabetes dada à doença.
Trata-se de palavra de origem grega e a maioria dos léxicógrafos
e dos autores que escrevem sobre diabetes dão a esta palavra
o significado de sifão. A doença recebeu este nome
pela poliúria que a caracteriza (o líquido ingerido passa
rapidamente através dos rins, sendo eliminado na urina).
Na tradução
italiana do texto grego de Araeteus, de Francesco Puccinotti, uma das traduções
clássicas mais citadas, não há referência à
palavra "sifão". Lê-se na citada tradução: "da
tale fenomeno a me sembra que abbia desunto la malattia il nome de Diabete,
come se tu appelassi ‘transitorio’ un umore che entro al corpo non riname".
(De tais fenômenos parece-me que a doença tomou o nome de
diabete, como se fosse ‘transitório’ um humor que entra no corpo
e nele não permanece) [1]
Com o sentido de sifão
e
fora da área médica, a palavra diabetes foi pela primeira
vez empregada em latim por Columella.[2]
A comparação
do diabetes com sifão aparece (entre parênteses), na tradução
inglesa de Adams: "Hence, the disease appears to me to have got the
name diabetes, as if from the greek word diabetes (which signifies a siphon),
because the fluid does not remain in the body..." (Por esta razão
acredito que a doença recebeu o nome de diabetes, da mesma palavra
grega diabetes (a qual significa sifão), visto que
o líquido não permanece no corpo...). [3]
O termo diabetes tem
mais de uma acepção em grego e tanto pode significar sifão,
como compasso, pela abertura de seus dois ramos. Deriva de diabaino,
cujo
significado principal, enunciado em primeiro lugar nos léxicos,
é o de "manter as pernas afastadas". [4]
Prof. José Menegatti,
autoridade em letras clássicas, admite que o termo diabetes pode
estar relacionado com o hábito de urinar em pé, com as pernas
afastadas. [Comunicação pessoal]. Skinner faz menção
igualmente a esta hipótese, que teria sido proposta por um autor
irlandês, descartando-a. [5] O verbo diabaino também
significa "passar através", de dia, através
+ baino, passar, caminhar. Em muitas fontes bibliográficas
prevalece esta interpretação etimológica. [6-8]
Willis, em 1670, redescobriu
o sabor adocicado da urina, [5] antes notado pelos hindus [9], o que permitiu
distinguir dois tipos de diabetes: mellitus e insipidus.
Segundo Arduino, o adjetivo mellitus teria sido acrescentado por
Cullen no século XVIII.[8]
A origem pancreática
do diabetes mellitus foi comprovada por Mering e Minkowski,
em 1889, pela extirpação do pâncreas no cão,
[5] enquanto a origem hipofisária do diabetes insipidus tornou-se
conhecida no início do século XX, graças aos trabalhos
de Frank, Cushing, Limmonds e outros.[10]
Em 1869, Paul Langherans
havia descrito a existência de grupos de células epitelióides
distribuídas no tecido interacinar do pâncreas, porém
não atribuiu qualquer função às células
por ele descobertas; a denominação de ilhotas de Langherans
foi dada por Laguèsse em 1893.[11]
Em 1913, Schaefer admitiu
fossem as ilhotas de Langherans responsáveis pela produção
de uma secreção endócrina capaz de atuar no metabolismo
glicídico e propôs para a mesma, antes de sua descoberta,
o nome de insulina (do latim insula, ilha).[12] Como se sabe,
a insulina só foi isolada em 1921, por Banting e Best, no Laboratório
de Mac Leod, em Toronto, no Canadá.
As duas doenças, diabetes mellitus e o diabetes
insipidus só têm em comum a poliúria. Dada a importância
e a alta prevalência do diabetes mellitus, quando se diz simplesmente
diabetes,
subentende-se que se trata do diabetes pancreático ou dismetabólico.
Existe, por consequência, uma tendência de simplificação
da linguagem, abandonando-se o qualificativo latino mellitus ou
seus equivalentes em português (melito, sacarino ou açucarado).
Formas especiais de diabetes
recebem qualificativos próprios, como juvenil, do adulto, secundário,
latente, bronzeado, aloxânico (experimental), renal, etc.
Duas questões controversas
dizem respeito ao gênero e à grafia da palavra diabetes
em
português.
O termo é masculino
em grego e latim, tendo conservado o mesmo gênero em francês
e italiano. Em espanhol é do gênero feminino.
Em português, alguns
lexicógrafos, como Domingos Vieira e Antenor Nascentes registram
tão somente o gênero masculino, enquanto outros, como Cândido
de Figueiredo e Caldas Aulete admitem os dois gêneros.
Autoridades em terminologia
médica, como Plácido Barbosa, Ramiz Galvão e Pedro
Pinto, advogam o gênero masculino, que parece vitorioso na literatura
médica brasileira, como atestam muitas publicações
especializadas, dentre as quais cumpre destacar o livro de Francisco Arduíno
e colaboradores, intitulado Diabetes Mellitus e suas complicações.[8]
Quanto a usar-se ou não
o s final, seria mais conforme à índole do nosso idioma a
forma diabete (sem o s final) ou, até mesmo, diabeta,
como
queria o helenista português José Inez Louro. [13]
A forma diabetes
é usada em inglês, alemão e espanhol, ao passo que
em francês e italiano houve apócope do s final.
No Brasil, tanto se usa
diabetes como diabete, porém com a forte influência
exercida pela literatura médica de língua inglesa na medicina
brasileira, observa-se ultimamente uma clara opção pela forma
diabetes.
Apesar disso, os modernos
dicionários da língua portuguesa aceitam as duas formas (com
s
e sem s), assim como os dois gêneros. Houaiss, além
de admitir as duas formas e os dois gêneros, ainda registra a forma
diabeta,
[14] que não é averbada nem mesmo pelo dicionário
da Academia das Ciências de Lisboa. [15]
A sociedade brasileira da
especialidade, fundada em São Paulo em 1979, denomina-se SOCIEDADE
BRASILEIRA DE DIABETES, e, em seus estatutos, diabetes é
do gênero masculino.
Fiquemos, pois, com o gênero
masculino e com a letra s final.
Referências bibliográficas
1. PUCCINOTTI, F. – Areteo de Cappadocia. Delle causa
dei segni e della cura delle malattie acute e croniche. Libro Otto. Firenze,
Presso Ricordi e Compagno, 1836, p. 96-98.
2. MARCOVECCHIO, E. - Dizionario etimologico storico
dei termini medici. Firenze, Ed. Festina Lente, 1993.
3. MAJOR, R.H. - Classic descriptions of disease, Vol.
1. Oxford, Blackwell Scientific Publications, 1954, p. 236.
4. BAILLY, A.: Dictionnaire grec-français, 16.
ed. Paris, Lib. Hachette, 1950.
5. SKINNER, H.A. - The origin of medical terms, 2.ed.
Baltimore, Williams , Wilkins, 1961, p. 139.
6. LIEBERMAN, L.S. – Diabetes. In KIPLE, K.F.
The Cambridge World History of human diseases, p. 665-675.
7. BARNHART, R. K. Chambers Dictionary of etymology.
New York. Chambers Harrap Publ. Ltda., .2001.
8. ARDUINO, F., Diabetes e suas complicações,
2.ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1973, p. 1-4
9. MAJOR, R.H. - A history of medicine, vol. 1. Oxford,
Blackwell Scientific Publications, 1954, p. 74.
10. BLOTNER, H. - Diabetes insipidus, New York, Oxford
University Press 1951, p. 182-191.
11. MORTON, L.T. - A medical bibliography (Garrison and
Morton), 4.ed. London, Gower, 1983, p. 131;
12. SKINNER, H.A. - The origin of medical terms, 2.ed.
Baltimore, Williams , Wilkins, 1961, p. 228.
13. LOURO, J.I. - Questões de linguagem técnica
e geral. Porto, Ed. Educação Nacional, 1941, p. 108.
14. HOUAISS, A., VILLAR, M. S. – Dicionário Houaiss
da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Objetiva, 2001
15. ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA - Dicionário
da língua portuguesa contemporânea. Lisboa, Ed. Verbo, 2001.