LINGUAGEM MÉDICA
 

DISSECÇÃO, DISSECAÇÃO

        Dissecção (ou dissecação) significa o ato de dissecar, de separar as partes de um corpo ou de um órgão. Emprega-se tanto em anatomia (dissecção de um cadáver ou parte deste) como em cirurgia (dissecção de uma artéria, de uma veia, de um tumor etc.)
        Dissecar origina-se do verbo latino disseco, are, que também se escreve deseco, are, cujo sentido é o de cortar dividindo, separando as partes. O substantivo correspondente, desectio, onis, traduz-se por corte, talho.[1]
        Segundo Marcovecchio, dissecare, como termo médico, fora já empregado por Plinius, no século I d.C.[2] Dissection, originado do latim dissectio, onis, foi introduzido na linguagem médica, tanto em francês como em inglês, no século XVI. [3][4]
        Dissection foi adaptado para dissección, em espanhol; dissezione, em italiano, e dissecção, em português.
        Dissecação é palavra criada na língua portuguesa, como deverbal de dissecar. [5]
        Os léxicos da língua portuguesa têm demonstrado indecisão entre dissecção e dissecação. Moraes [6] registra somente dissecção, no que é seguido por Constâncio [7] e Faria [8]. Já Vieira [9] e Lacerda [10] abonam apenas dissecação. Os dicionários mais modernos consignam ambas as formas. Dentre eles citam-se o de Silveira Bueno [5] e o de Aurélio Ferreira. [11]  O Vocabulário Ortográfico da Academia Brasileira de Letras [12] e o Michaelis [12] e arrolam três formas distintas: disseção, dissecção e dissecação, sendo que o Michaelis opta por dissecação.
        Dentre os dicionários médicos, Paciornik [14] e Rey [15] registram somente dissecção; Pedro Pinto [16] e Céu Coutinho [17] as duas formas.
        Entre os anatomistas, ambas as formas são empregadas. Um dos livros didáticos utilizados pelos alunos do curso médico em nossas faculdades, para estudo prático de anatomia, de autoria de Baptista Netto, intitula-se Manual de dissecção. [18]
        No conhecido compêndio de anatomia de Gardner e col., traduzido para o português sob a supervisão de um professor de anatomia, lê-se à página 3: "Do ponto de vista etimológico, o termo dissecação (dis- significa separadamente e secare, (cortar) é o equivalente latino do grego anatome". [19]
        Vê-se, pois, que ambas as formas têm livre curso. Não obstante, dissecação é forma redundante e desnecessária, de vez que a língua portuguesa já possui o termo dissecção, muito mais próximo de sua origem latina e dos termos equivalentes de outros idiomas.
        Como argumenta o Prof. Idel Becker, raramente se usa ressecação em lugar de ressecção. [20] Por que, então, dissecação em vez de dissecção?
        Na literatura médica brasileira predomina a forma dissecção. Em 56 artigos indexados pela BIREME, nos quais o termo aparece no título, 54 (96,4%) utilizaram dissecção e apenas dois a forma dissecação. [21] Um caso adicional indexado como dissecação refere-se, na realidade, à dessecação, cujo significado é inteiramente diverso de dissecação. [22]

Referências bibliográficas

1. SARAIVA, F.R.S. - Dicionario latino-português, 9.ed. Rio de Janeiro, Liv. Garnier, 1993.
2. MARCOVECCHIO, E. - Dizionario etimologico storico dei termini medici. Firenze, Ed. Festina Lente, 1993.
3. OXFORD ENGLISH DICTIONARY (Shorter). 3.ed. Oxford, Claredon Press, 1978.
4. BLOCH, O., VON WARTBURG, W. - Dictionnaire étymologique de la langue française, 7.ed. Paris, Presses Universitaires de France, 1986.
5. BUENO, F.S. - Grande dicionário etimológico-prosódico da língua portuguesa. São Paulo, Ed. Saraiva, 1963/1967.
6. MORAES SILVA, A. - Dicionário da língua portuguesa. Lisboa, Typographia Lacerdina, 1813.
7. CONSTANCIO, F.S. - Novo dicionário crítico e etimológico da língua portuguesa, 3.ed. Paris, Angelo Francisco Carneiro, 1845.
8. FARIA, E. - Novo dicionário da língua portuguesa, 2 ed. Lisboa, Typographia Lisbonense, 1856.
9. VIEIRA, D. - Grande dicionário português ou Tesouro da língua portuguesa. Porto, Ernesto Chardron e Bartholomeu H. de Moraes, 1871-1874.
10. LACERDA, J.M.A.A.C. - Dicionário enciclopédico ou Novo dicionário da língua portuguesa. Lisboa, F. Arthur da Silva, 1874.
11. FERREIRA, A.B.H. - Novo dicionário da língua portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1999.
12. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS - Vocabulário ortográfico da língua portuguesa, 3. ed. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1999.
13. MICHAELIS - Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo, Cia. Melhoramentos, 1998.
14. REY, L. - Dicionário de termos técnicos de medicina e saúde. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan S.A., 1999.
15. PACIORNIK, Rodolpho: Dicionário médico, 2.ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1975.
16. PINTO, P.A. - Dicionário de termos médicos, 8. ed. Rio de Janeiro, Ed. Científica, 1962.
17. COUTINHO, A.C. - Dicionário enciclopédico de medicina, 3.ed. Lisboa, Argo Ed., 1977.
18. BAPTISTA NETTO - Manual de dissecção, 4.ed. Rio de Janeiro, O Livro Médico Ltd., 1983.
19. GARDNER, E., GRAY, D.J. & O'RAHILLI, R. - Anatomia, 4.ed. (trad.). Rio de Janeiro, Ed. Guanabara Koogan, 1988, p. 3
20. BECKER, Idel - Nomenclatura biomédica no idioma português do Brasil. São Paulo, Liv. Nobel, 1968, p, 211
21. BIREME - Internet. Disponível em http:/www.bireme.br/ (16/05/2001)
22. ROSSETO, E.S. - Tolerância à dessecaçäo: uma estratégia de plantas para sobreviver à falta de água. - Lecta-USF;16:127-35, 1998.

  Publicado no livro Linguagem Médica, 3a. ed., Goiânia, AB Editora e Distribuidora de Livros Ltda, 2004..  

Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br

10/9/2004.