AUTÓPSIA, AUTOPSIA. NECRÓPSIA,
NECROPSIA, NECROSCOPIA
O exame cadavérico
com fins médicolegais, ou visando ao estudo anatomopatológico,
observa o Prof. Idel Becker, sempre foi chamado de autópsia.
"Até alguém, de boa fé, tachá-la de forma "errada"
(prosodicamente) e propugnar a pronúncia "certa": autopsia (ía).
Ao mesmo tempo, outro autor lembrou-se de impugnar a forma autópsia
do ponto de vista etimológico. As divergências foram-se avolumando.
E o resultado é que hoje temos, pelo menos, 9 formas em conflito:
autópsia, autopsia, autopse, necrópsia, necropsia, necropse,
autoscópia, autoscopia, necroscopia".[1]
Deixando de lado as formas
autoscópia e autoscopia, pouco usadas, ainda restam sete formas
concorrentes.
O termo autopsía
já existia em grego (formado de auto, próprio
+ opsis, ação de ver + sufixo -ia),
com o sentido de "ver com os próprios olhos".[2]
Galeno empregou o termo
no sentido de inspeção pessoal para aquisição
de conhecimentos de anatomia.[3]
Segundo Pedro Pinto, no
sentido de exame cadavérico, o vocábulo foi primeiramente
empregado por Alemanus, que entendia que o médico legista, ao examinar
o cadáver, observava-se a si mesmo.[4]
Com o significado atual
de investigação da causa mortis seu uso data
do início do século XIX.[2] O dicionário de Moraes,
de 1813, não registra a palavra autópsia, a qual teria
entrado para a língua portuguesa por intermédio do francês.
Segundo J. P. Machado, o
primeiro documento em língua portuguesa com a palavra autópsia
data de 1847; é de autor anônimo e refere-se à "autópsia
de partidos políticos...".[5]
A divergência de natureza
prosódica reside no sufixo -ia, que pode provir diretamente
do grego ou através do latim. Na primeira hipótese a vogal
i
é tônica: na segunda, é átona. Muitas palavras
em português seguem a prosódia grega, enquanto outras seguem
a prosódia latina.
Embora o uso tenha consagrado
a forma proparoxítona, alguns léxicos indicam a forma paroxítona,
fazendo recair o acento na letra i, conforme o étimo grego.
Nascentes observa que "a acentuação no i, aceita
por Constâncio, Faria, Roquete, Lacerda, Aulete e Ramiz, não
é popular".[6] Outros dicionários registram as duas formas
como variantes prosódicas possíveis.
O Vocabulário
Ortográfico da Academia Brasileira de Letras registra autopse
e
autópsia,
deixando autopsia (ía) para expressar a terceira pessoa do
indicativo do verbo autopsiar.[7]
Autopse, em lugar
de autópsia (por analogia com sinopse), tornou-se a forma preferida
de autores portugueses, tendo sido adotada no Brasil por Plácido
Barbosa, Pedro Pinto e Afrânio Peixoto.
As formas necropsia e
necroscopia foram propostas em substituição à
autopsia
por serem etimologicamente mais apropriadas. Com base no dicionário
de Moraes, Houaiss estabelece a datação histórica
de 1858 para necropsia e necroscopia.[8]
O Shorter Oxforf English
Dictionary indica a data de 1856 para a entrada do termo necropsy
na língua inglesa.[9] Em francês ambos os termos estão
averbados no Dictionnaire de Médecine, de Littré e
Robin, de 1873 [10] e, em português, no Dicionário da Língua
Portuguesa", de Domingos Vieira, editado entre 1871 e 1874.[11]
A forma necropse
e a divergência prosódica entre necrópsia e
necropsia
decorrem, mutatis mutandis, das mesmas razões apontadas
para autópsia. Existe, contudo, em relação à
necropsia
menor
tolerância dos lexicógrafos para com a forma proparoxítona,
talvez por se tratar de criação mais recente.
A classe médica brasileira,
nos últimos 40 anos, vem usando indistintamente autópsia
e
necrópsia
na sua forma proparoxítona, sendo raro o emprego de autopse,
necropse e necropsia.
Parece claro que, se optarmos
por autópsia como variante prosódica correta, por uma questão
de coerência também devemos aceitar necrópsia
em lugar de necropsia (ía).
Autópsia e
necrópsia
são,
pois, as duas formas prevalecentes, sendo impossível, no momento,
dizer qual delas irá predominar no futuro.
Referências bibliográficas
1. BECKER, Idel - Nomenclatura biomédica no idioma
português do Brasil. São Paulo, Liv. Nobel, 1968, p. 69-70.
2. SKINNER, Henry A. - The origin of medical terms, 2.ed.
Baltimore, Williams & Wilkins, 1961, p. 54.
3. LIDDELL, Henry G., SCOTT, Robert - A greek-english
lexicon, 9.ed., Oxford, Claredon Press, 1983.
4. PINTO, Pedro A. - Vocábulos e frases. Rio de
Janeiro, Liv. Francisco Alves, 1926, p. 10.
5. MACHADO, José Pedro - Dicionário etimológico
da língua portuguesa, 3.ed. Lisboa, Livros Horizonte, 1977
6. NASCENTES, Antenor - Dicionário etimológico
da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Liv. Francisco Alves, 1932.
7. ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS - Vocabulário
ortográfico da língua portuguesa, 3a. ed. Rio
de Janeiro, Imprensa Nacional, 1999.
8. HOUAISS, Antônio, VILLAR, Mauro de Salles –
Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro,
Objetiva, 2001.
9. OXFORD ENGLISH DICTIONARY (Shorter), 3.ed. Oxford,
Claredon Press, 1978.
10. LITTRÉ, E. & ROBIN, Ch. - Dictionnaire
de médecine, de chirurgie, de pharmacie, de l’art vetérinaire
et des sciences qui s'y rapportent, 13.ed. Paris, Baillière et Fils,
1873.
11. VIEIRA, Frei Domingos - Grande dicionário
português ou Tesouro da língua portuguesa. Porto, Ernesto
Chardron e Bartholomeu H. de Moraes, 1871-1874.