LINGUAGEM MÉDICA
 

CICATRIZAÇÃO POR PRIMEIRA E
SEGUNDA INTENÇÃO


        Desde Hipócrates e Galeno que se consideram duas modalidades de cicatrização de uma ferida: imediata ou por primeira intenção, aquela que se dá pela união dos bordos da ferida, quando não há infecção nem grande perda de tecido; e mediata ou por segunda intenção, quando a cicatrização se processa tardiamente, com formação de tecido de granulação e posterior epitelização.[1]

        Intenção provém do latim intentio, onis, do verbo intendo, ere, cujo sentido primordial é de estender, dirigir, reforçar, sustentar.[2]

        Há também em latim a forma intensio, onis, considerada equivalente a intentio, onis, e o verbo intento,are, com o sentido de estender para, aproximar de. De intensio, onis deriva intensão em português.

        Na evolução semântica que se operou ao longo do tempo, o significado da forma intenção restringiu-se a propósito, desejo, intuito, fim, desígnio, enquanto intensão firmou-se como palavra apropriada para expressar o aumento de tensão, do grau de força, energia ou atividade. [3][4][5][6]

        É evidente que ao nos referirmos à cicatrização por primeira ou segunda intenção, o vocábulo intenção não tem o significado atual; antes, exprime o fenômeno da reparação no qual o tecido lesado se aproxima, se dirige, se estende em direção ao outro.

        Por essa razão, Rebelo Gonçalves critica o equívoco etimológico que se encontra no dicionário de Littré e Gilbert, onde se lê: "Intention (intentio, propositum). Fin que l'on se propose".[7]

        Para fugir a essa armadilha, aquele autor, embora reconhecendo defensável a grafia intenção (com ç), preconiza o emprego da grafia intensão (com s). São suas as seguintes palavras: "Dando o latim uma base para a escrita intensão, há vantagem em adotá-la por dois motivos essenciais: porque se evita, por essa forma, uma colisão com o sentido nada científico em que imediatamente faz pensar a escrita intenção; porque escrevendo intensão obtém-se um paralelismo útil e racional com as palavras tensão, distensão, extensão, baseadas semelhantemente em tensio, distensio, extensio, e não em tentio, distentio, extentio, e que todas três se podem empregar em sentidos pertinentes à medicina." [8]

        O latim foi durante muito tempo o veículo de comunicação científica e as expressões latinas referentes à cicatrização - per primam intentionem e per secundam intentionem - eram escritas com t e não com s, de que resultou intention em francês; intention em inglês; intenzzione, em italiano; intención, em espanhol e intenção, em português. Se adotarmos intensão (com s) estaremos nos distanciando dos demais idiomas de cultura.

        Além disso, acha-se consagrada a grafia com ç, tanto em textos médicos, como em léxicos especializados, sendo, portanto, aconselhável a sua manutenção.
 

Referências bibliográficas

1. GOSSET, J. - Traumatismes et leurs complications. In Patel, J. (Ed.), Nouveau précis de pathologie chirurgicale, 1949, t. I, p. 96.
2. TORRINHA, F. - Dicionário latino-português, 3.ed. Porto, Gráficos Reunidos Ltda., 1942.
3. MORAES SILVA, A. - Dicionário da língua portuguesa. Lisboa, Typographia Lacerdina, 1813.
4. CONSTANCIO, F.S. - Novo dicionário crítico e etimológico da língua portuguesa, 3.ed. Paris, Angelo Francisco Carneiro, 1845.
5. LACERDA, J.M.A.A.C. - Dicionário enciclopédico ou Novo dicionário da língua portuguesa. Lisboa, F. Arthur da Silva, 1874.
7. AULETE, F.J.C. - Dicionário contemporâneo da língua portuguesa. Lisboa, 1881.
8. GONÇALVES, F.R. - Linguagem médica. Rev. Ass. paul. Med. 10:50-79, 1937
3. LITTRÉ, E., GILBERT, A. - Dictionnaire de médecine, de chirurgie, de pharmacie et des sciences que s’y rapportent, 21.ed. Paris, Baillière et Fils, 1908.

 
Publicado no livro Linguagem Médica, 4a. ed., Goiânia, Ed. Kelps, 2011.  

Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br