LINGUAGEM MÉDICA
 

ÓPTICA, ÓTICA. ÓPTICO, ÓTICO

        Quando escrevemos óptico com a letra p na primeira sílaba estamos nos referindo ao sentido da visão; ao escrevermos ótico sem o p estaremos nos referindo ao sentido da audição.
        Assim, tudo que se relaciona aos olhos ou à visão deve receber a letra p depois da primeira vogal. Ex.: quiasma óptico, nervo óptico, tálamo óptico, fibra óptica etc.
        Por sua vez, os termos que dizem respeito ao ouvido ou ao sentido da audição escrevem-se sem o p. Ex.: gânglio ótico (gânglio de Arnold), cápsula ótica, otalgia, otite, otologia, otorreia, otoscópio etc.
        Ambas as palavras derivam do grego, língua em que essa distinção se torna mais fácil, pois enquanto optikós se  escreve  com  a  letra ômicron  na  primeira  sílaba, otikós se  inicia  pela  vogal ômega.[1]
        A grafia correta de óptica e seus cognatos vem sendo descuidada na língua portuguesa do Brasil com a supressão da letra p.
        Óptica, por definição, é a parte da Física que trata da luz e dos fenômenos da visão. Por extensão do significado adquiriu outras acepções correlatas, dentre as quais a de designar o estabelecimento onde se vendem ou se fabricam óculos e instrumentos ópticos. São precisamente esses estabelecimentos que mais têm contribuído para a descaracterização da palavra Óptica, adotando em sua razão social, em seus anúncios e letreiros, a forma equivocadamente simplificada de Ótica.
        Consultando-se os catálogos de telefones das principais cidades do Brasil, verifica-se que é extremamente reduzido o número de estabelecimentos que ainda preservam a forma tradicional de Óptica (com p). Em Goiânia, por coincidência, existem dois estabelecimentos contíguos que utilizam, um a forma correta Óptica, e o outro a forma incorreta Ótica.
        Talvez por ação subliminar, à força de ler e de ouvir a cada instante a palavra ótica com o sentido de óptica, a própria classe médica passou a aceitar passivamente a supressão do p na palavra óptica e seus derivados. Afinal, a pronúncia torna-se mais fácil e é mais fácil de escrever.
        Segundo o banco de dados da BIREME, nos últimos 20 anos foram publicados em português, no Brasil, 121 artigos científicos utilizando no título do trabalho a palavra óptica ou óptico,com o p, tanto como substantivo como adjetivo, enquanto 46 usaram a forma ótica,ou ótico, sem o p, referindo-se ao sentido da visão, o que demonstra que ainda predomina na literatura médica brasileira a forma correta, com a preservação da letra p.
        É interessante assinalar que na maioria das vezes em que se suprimiu a letra p, o termo não se refere à estrutura anatômica ou condição patológica, sendo empregado na expressão "sob a ótica de" ou "na ótica de", com o sentido genérico de "maneira de ver", de "interpretar" determinado evento ou situação. Este fato sugere que ainda é tempo de se corrigir este equívoco da linguagem médica.
        No mesmo período foram arrolados 95 artigos redigidos em espanhol, todos com a forma correta, preservando o p., o que indica que os autores hispano-americanos não incorrem no mesmo erro. Em três artigos nos quais se empregou ótico e ótica, o termo se relacionava ao sentido da audição.
        Pode-se compreender e aceitar o uso popular de ótica em lugar de óptica. Pode-se compreender até mesmo o registro de ótica como variante de óptica em alguns dicionários, como o Aurélio e o Michaelis. [2][3] Afinal, os lexicógrafos não fazem a língua; limitam-se a averbar as palavras em uso. O que não se pode compreender é que publicações médicas editadas no Brasil endossem tais equívocos.
 

Referências bibliográficas

1. BAILLY, A. - Dictionnaire grec-français, 16. ed. Paris, Lib. Hachette, 1950.
2. FERREIRA, A.B.H - Novo dicionário da língua portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1999.
3. MICHAELIS: Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo, Cia. Melhoramentos, 1998. 


Publicado no livro Linguagem Médica, 3a. ed., Goiânia, AB Editora e Distribuidora de Livros Ltda, 2004.. 
 

Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br

10/9/2004.