Na antiga civilização
grega, as principais cidades possuíam um edifício público
que se destacava por sua importância e significado, chamado Pritaneu
(Prytaneîon). Era o centro cívico e religioso da cidade,
onde se mantinha permanentemente aceso o fogo sagrado, dedicado à
Héstia, deusa da lareira, símbolo da família e do
lar.[16] O Pritaneu era o local onde se reuniam os pritanes ou representantes
do povo investidos de poderes temporários. Era também o local
onde se recebiam os visitantes ilustres e onde tomavam refeições
os pensionistas do Estado, os quais eram chamados de parasitos, (de pará,
ao lado, junto de + sîtos.[3][11]
O substantivo sitos, (sîtos,
em grego), remonta aos tempos pré-homéricos; designava inicialmente
o trigo e outros grãos utilizados na alimentação.
Por extensão semântica, passou a expressar alimento de modo
geral e com ele se formaram numerosos compostos na língua grega,
alguns dos quais encontram equivalentes nas línguas modernas. Contando
somente os compostos em que sîtos
entra como segundo elemento, Chantraine lista 25 vocábulos, dentre
os quais parasitos (pará - sîtos). [5]
De sîtos deriva
o elemento de composição
-sito que entra na formação
de vários termos técnico-científicos da linguagem
moderna, tais como sitofobia, sitomania, sitotropismo, sitotoxina, sitologia,
sitoterapia.[9] Também se emprega na formação
de tais palavras a variante sitio, já existente em grego
(sitíon), em lugar de sito,
o que representa uma duplicidade desnecessária.[19]
Os parasitos do Pritaneu
eram cidadãos bem considerados e o termo parasito não
tinha o sentido pejorativo atual, [7] o qual foi introduzido pelos comediógrafos
gregos e latinos, passando a caracterizar a figura do papa-jantares, aquele
que vive às expensas de outrem.[19] O termo foi transliterado para
o latim como parasitus.
i,
com
o sentido de comensal. Ernout et Meillet, em seu Dictionnaire
étymologique de la langue latine assim definem parasitus:
"Mot de la comédie, emprunté au gr. parasitos; latinisé".[12]
A literatura clássica latina registra uma comédia de Plauto,
da qual restaram apenas fragmentos, com o título de Parasitus
medicus. [19]
A forma parasita,
no gênero feminino, foi primeiramente empregada por Horácio,
no século I aC (sátira 1: 2, v. 98), referindo-se à
mulher parasita,[14] e por Plínio, no século I dC, em alusão
a uma espécie de coruja, "que em latim chamam de axio
e que imita e parasita outras aves" (Latine
axionem vocant, imitatrix alias avis ac parasita".[25] Entende-se
como parasitismo nesta passagem a apropriação do alimento
obtido por outras aves e não propriamente o parasitismo no sentido
biológico.
O vocábulo parasitus,
transposto do latim para as línguas românicas e para outras
línguas de cultura, sofreu as adaptações morfológicas
adequadas a cada um desses idiomas. Temos, assim, parasite, em francês;
parásito,
em
espanhol; parassito (ou parassita), em italiano; parasite,
em
inglês, e parasit, em alemão. Em português, tal
como em italiano, convivem as duas formas: parasito e parasita.
Moraes (1813)[20] registra
parasito
como substantivo, e parasítico, como adjetivo. Outros léxicos
do século passado averbam parasito como substantivo masculino
e parasita como adjetivo feminino (Constâncio, 1845 [6]; Faria,
1856 [13]; Lacerda, 1874 [17]).
Vieira (1872)[28] admite
as duas formas, tanto como substantivo como na função adjetiva.
A introdução
do termo
parasito em linguagem científica é relativamente
recente, datando da primeira metade do século XVIII.[20] Usado inicialmente
para caracterizar as plantas que vivem às custas da seiva de outro
vegetal de maior porte, foi a seguir aplicado também aos animais
que se nutrem por intermédio de outro animal, dito hospedeiro, que
os alberga, ou internamente (endoparasitos), ou externamente (ectoparasitos).
Nesta acepção
biológica, encontra-se na literatura médica brasileira, desde
o século passado, tanto a forma parasito como parasita.
Na primeira edição
do dicionário de Langgaard (1865) já há referência
a "parasitas animaes e vegetaes, que produzem ou acompanhão certas
moléstias no homem e nos animaes".[18]
Em artigo publicado na Gazeta
Médica da Bahia, em 1870, o autor refere-se a "cogumelos parasitas".[10]
Afrânio Peixoto, em
seu tratado de Higiene, faz menção aos "parasitas do solo".
[23]
Talvez a repetida referência
a plantas parasitas poderia ter influenciado a incorporação
ao léxico de parasita como substantivo do gênero masculino.
Outra explicação, endossada por A. G. Cunha,[8] é
de que a forma parasita seja resultante da tradução
do francês parasite.
Ramiz Galvão chama
a atenção para a impropriedade da forma parasita, "que
o étimo não abona e que o uso quer introduzir".[15]
Plácido Barbosa considera
parasito
a
forma correta e diz que parasita deve ser tomado como feminino de
parasito.[4]
Mendes de Almeida diz que
"não obstante ser corrente
a parasita não pode justificar-se
nem a forma nem o gênero, senão pelo desconhecimento do étimo".[2]
Os léxicos especializados
em termos médicos, em sua maioria, averbam unicamente parasito.[22],[24],[27]
Os dicionários contemporâneos
não especializados, porém, são mais tolerantes com
a forma parasita, que vem ganhando terreno, considerando-a como
variante de parasito.
O VocabulárioOrtográfico
da Academia Brasileira de Letras não só admite as duas formas
como os dois gêneros para a forma parasita.[1]
Deve ter contribuído
para a maior difusão da forma o parasita na linguagem médica
a sua adoção em obras que marcaram época na medicina
brasileira, como a Parasitologia Médica do Prof. Samuel Pessoa,
adotada em praticamente todas as Faculdades de Medicina do País,
alcançando 11 edições entre 1945 e 1982.
Em publicações
médicas têm sido empregadas como substantivo do gênero
masculino, indistintamente, as duas formas: parasito e parasita,
como documenta o Prof. Luis Eduardo Quintas em carta ao editor dirigida
à Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical,[26]
na qual defende a forma
parasito.
Buscando dados quantitativos
sobre o uso de uma ou outra forma por autores brasileiros, procedemos a
um levantamento da bibliografia médica latino-americana de parasitologia
indexada pela BIREME nos últimos 15 anos (1983-1998) . Em 50 trabalhos
escritos em português, sete usaram, no título, a palavra parasito,
no singular; 19, parasitos, no plural; cinco, parasita, no
singular; e 19 parasitas, no plural, o que equivale praticamente
a 50% para cada uma das formas em uso.
Levando-se em conta a etimologia
e a evolução histórica da palavra parece óbvio
que deve prevalecer como substantivo masculino apenas a forma o parasito.
Referências bibliográficas
1..ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Vocabulário ortográfico
da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Bloch Ed., 1981.
2.ALMEIDA, N. M., Dicionário de questões
vernáculas, São Paulo, Ed. "Caminho Suave" Ltda., 1981.
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ed. Paris, Lib. Hachette, 1950.
4.BARBOSA, P., Dicionário de terminologia médica
portugueza, Rio de Janeiro, Liv. Francisco Alves, 1917.
5.CHANTRAINE, P. Dictionnaire étymologique de
la langue grecque. Histoire des mots. Paris, Ed. Klincksieck, 1984.
6. CONSTANCIO, F.S. Novo diccionario critico e etimologico
da lingua portugueza, 3.ed. Paris, Angelo Francisco Carneiro, 1845
7. COULANGES, F. A cidade antiga, 8.ed. (trad.). Rio
de Janeiro, Ediouro, 1999, p. 109.
8. CUNHA, A.G., Dicionário etimológico.
Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982.
9. DORLAND'S ILLUSTRATED MEDICAL DICTIONARY, 28.ed. Philadelphia,
W. B. Saunders Co., 1994.
10. DRANERT, F.H. Cogumelos parasitas e a sua influência
nociva, sobre outros organismos; com algumas observações
fitofisiológicas explicativas e necessárias. Gaz. méd.
Bahia 4: 150-151, 1870
11. ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA. Chicago, 1961.
12. ERNOUT, A. & MEILLET, A.: Dictionnaire étymologique
de la langue latine. Histoire des mots, 4.ed. Paris, Ed. Klincksieck, 1979.
13. FARIA, E. Novo diccionario da lingua portugueza,
2 ed. Lisboa, Typographia Lisbonense de José Carlos d’Aguiar Vianna,
1856.
14. GAFIOT, F. Dictionnaire illustré latin-français.
Paris, Lib. Hachette, 1934
15. GALVÃO, F.R. Vocabulario etymologico, orthographico
e prosodico das palavras portuguesas derivadas da língua grega.
Rio de Janeiro, Liv. Francisco Alves, 1909.
16. HARVEY, P. Dicionário Oxford de Literatura
clássica grega e latina (trad.). Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed.,
1986.
17. LACERDA, J.M.A.A.C. Dicionário enciclopédico
ou Novo dicionário da língua portuguesa. Lisboa, F. Arthur
da Silva, 1874.
18. LANGAARD, T.J.H.: Diccionario de medicina domestica
e popular. Rio de Janeiro, Laemmert, 1865.
19. MARCOVECCHIO, Enrico: Dizionario etimologico storico
dei termini medici. Firenze, Ed. Festina Lente, 1993.
20. MORAES SILVA, A. Diccionario da lingua portugueza.
Lisboa, Typographai Lacérdina, 1813.
21. OXFORD ENGLISH DICITIONARY (Shorter), 3.ed., 1978
22. PACIORNIK, R. Dicionário médico, 2.ed.
Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1975.
23. PEIXOTO, A. Higiene, 3.ed., v. l. Rio de Janeiro,
Liv. Francisco Alves, 1922, p.35
24. PINTO, P.A. Dicionário de termos médicos,
8. ed. Rio de Janeiro, Ed. Científica, 1962.
25. PLINIUS, G. Naturalis Historia. Liber X, 68. The
Loeb Classical Library. Cambridge. Harvard University Press, 1983, p. 336
26. QUINTAS, L.E.M. É o Trypanosoma cruzi um parasito?
Rev. Soc. Bras. Med. Trop.30: 163-164, 1997
27. SERRAVALLE, A. Vocabulário de parasitologia
médica. Salvador, Centro Editorial e Didático da UFBa., 1987.
28. VIEIRA, Frei Domingos: Grande diccionario portuguez
ou Thesouro da lingua portugueza. Porto, 1871-1874.
Publicado no livro Linguagem Médica, 3a. ed., Goiânia, AB Editora
e Distribuidora de Livros Ltda, 2004..
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História
da Medicina
e-mail: jmrezende@cultura.com.br
http:www.jmrezende.com.br
10/9/2004.