LINGUAGEM MÉDICA

SELA TÚRCICA OU SELA TURCA?

        As duas formas são amplamente usadas. O dicionário Houaiss [1] e o Aurélio, 3ªed., [2] registram ambas sem manifestar preferência por uma delas. O Michaelis [3] averba unicamente sela túrcica.
        A denominação de sella turcica, em latim, foi introduzida na nomenclatura anatômica pelo anatomista belga Adrian van der Spieghel (1578-1625), mais conhecido pelo nome latino de Spigelius, em sua obra De humanis corporis fabrica, publicada em 1627, dois anos após sua morte. Spieghel foi professor de anatomia em Veneza e Pádua, sendo mais conhecido pelo epônimo lobo de Spieghel dado ao lobo caudado do fígado, por ele descrito.[4] [5] [6]
        Spieghel comparou a depressão da face superior do osso esfenóide, onde se aloja a hipófise, com a sela de montaria usada pelos turcos e beduínos, a qual difere das demais por ter a parte posterior mais alta, oferecendo apoio para as costas do cavaleiro.[4]
        Como era de praxe no século XVII nos escritos científicos, também Spieghel usou o latim em sua obra. Sella, em latim, significa assento, cadeira, e turcica, que se refere aos turcos. Por extensão, sella passou a designar o arreio que se coloca no dorso do animal para o cavaleiro montar.
        A citada depressão do esfenóide tem como sinônimos sela equina, sela equestre, sela esfenoidal, fossa pituitária, porém a denominação de sela túrcica, poposta por Spieghel, predominou sobre as demais. No dicionário de termos médicos latinos de Stephen Blancardi, de 1718, já se encontra sella turcica como sinônimo de sella equina.[7]
        Do latim, a denominação sella turcica foi traduzida, adaptada ou incorporada às línguas modernas. Temos, em francês, selle turcique [8] ;em inglês, sella turcica [9], tal como em latim; em espanhol, silla turca [10]. Em português, como já assinalamos, usa-se tanto sela túrcica como sela turca.
        A primeira edição da Nomina Anatomica em latim, de 1895, conhecida por BNA (de Basiléia, na Suiça), adotou sella turcica, de preferência a qualquer outra denominação, o que foi sacramentado a partir da PNA (Parisiensia Nomina Anatomica), de 1955.
        A primeira tradução da PNA para o português data de 1961 e manteve a forma latina, aportuguesando-a: sela túrcica.[11] Em outra tradução, de 1977, coordenada pelo Prof. Idel Becker, permaneceu a opção por sela túrcica.[12]
        Em 1984, no entanto, foi publicada uma nova tradução em português, da 5a. edição da Nomina Anaatomica em latim, "sob a supervisão da Comissão de Nomenclatura da Sociedade Brasileira de Anatomia", na qual preferiu-se substituir túrcica por turca: sela turca.[13] Mais recentemente, na tradução da última edição da Nomina, de 1998, publicada com o título de Terminologia Anatômica, permaneceu a forma sela turca.[14]
        Fazendo uma pesquisa nos trabalhos indexados pela BIREME nos últimos anos, encontramos a ocorrência de sela túrcica 78 vezes, e sela turca 75 vezes, o que representa 50% de cada uma das formas.[15]
        Como túrcica e turca são sinônimos, embora o adjetivo túrcico(a) seja obsoleto, [1] não se pode incriminar nenhuma delas de incorreta.
        A meu ver túrcica é mais tradicional, enquanto turca é mais recente, tendo sido adotada pela Sociedade Brasileira de Anatomia.
        Por outro lado, sela túrcica é a forma que se encontra nos Descritores em Ciências da Saúde da BIREME para a língua portuguesa [15] e a única registrada no mais moderno dicionário de termos médicos, que é o de Luis Rey.[16]
        Estamos, assim, diante de um impasse, e só o tempo dirá qual a forma que irá prevalecer.
 

Referências bibliográficas

1. HOUAISS, Antônio, VILLAR, Mauro de Salles – Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Objetiva, 2001
2. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda - Novo dicionário da língua portuguesa, 3.ed. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1999.
3. MICHAELIS - Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo, Cia. Melhoramentos, 1998.
4. SKINNER, Henry A. - The origin of medical terms, 2.ed. Baltimore, Williams , Wilkins, 1961, p. 371.
5 MARCOVECCHIO, Enrico - Dizionario etimologico storico dei termini medici. Firenze, Ed. Festina Lente, 1993.
6. SEBASTIAN, Anton - A dictionary of the History of medicine. New York, The Parthenon Publishing Group, 1999
7. BLANCARDI, Stephani - Lexicon medicum graeco-latino-germanicum, 5.ed., Hallae Magdeburgicae, 1718.
8. MANUILA, A., MANUILA, L., NICOLE, M. , LAMBERT, H. Dictionnaire français de médecine et de biologie. Paris, Masson et Cie., 1970.
9. DORLAND'S ILLUSTRATED MEDICAL DICTIONARY, 28.ed. Philadelphia, W. B. Saunders Co., 1988.
10. REAL ACADEMIA ESPAÑOLA - Diccionario de la lengua española, 19.ed. Madrid, 1970.
11. NOMINA ANATOMICA - Arq. Cir. Clin. Experim. 24 - 1-101, 1961.
12. COMISSÃO LUSO-BRASILEIRA DE NOMENCLATURA MORFOLÓGICA-Nomenclatura anatômica da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1977, p. 18.
13. NOMINA ANATOMICA. (5ª edição). Tradução sob a supervisão da Comissão de Nomenclatura da Sociedade Brasileira de Anatomia. Rio de Janeiro, MEDSI, 1984, p. 39.
14. SOCIEDADE BRASILEIRA DE ANATOMIA. Terminologia anatômica. São Paulo, Ed. Manole Ltda., 2001, p. 7.
15. BIREME. Internet. Disponível em http://www.bireme.br/php/index.php . Consulta em 28/09/2006.
16. REY, Luis. Dicionário de termos técnicos de medicina e saúde, 2ª ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan S.A., 1999.


Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História da Medicina
e-mail: pedro@jmrezende.com.br
http://www.jmrezende.com.br

28/09/2006