ÚTERO
Poucos órgãos
do corpo humano foram aquinhoados com tantos nomes como o útero,
quer na linguagem médica, quer na popular.
Na medicina grega o útero
recebeu três denominações diferentes: métra, hystéra
e
delphys.[1]
Melhor nome não poderia
haver do que métra para designar o órgão
onde se forma um novo ser. Métra deriva do indo-europeu
mater,
mãe, fonte e origem da vida.[2] Métra é
encontrado em vários autores clássicos da antiguidade,
como Heródoto e Platão. Hipócrates também dele
se utilizou. Na terminologia médica atual temos diversas palavras
formadas com essa raiz grega, tais como metropatia. metrorragia, endométrio,
miométrio etc.
Hystéra
foi o termo mais vezes empregado em escritos médicos, sendo encontrado
em várias passagens dos livros de Hipócrates, Galeno e Sorano.[3]
Chegou até aos nossos dias em seus inúmeros derivados como
histeria,
histerômetro, histerectomia, histerossalpingografia etc.
Delphys é
igualmente encontrado em Hipócrates e Aristóteles como sinônimo
de hystéra. Perdurou em zoologia, na ordem dos marsupiais,
chamados didelfos em razão de possuírem útero
duplo.
Como malformação
congênita decorrente da falta de fusão dos ductos paramesonéfricos,
a mulher pode apresentar útero duplo, denominado útero
didélfico ou bicorne.
Apesar da pluralidade de
nomes que a medicina grega legou aos latinos para nomear tão importante
órgão, os romanos criaram mais um, uterus,
que predominou na nomenclatura anatômica.
A etimologia da palavra
uterus
é incerta e admite-se uma forma primitiva no indo-europeu, udero,
com o sentido de ventre, que teria evoluído para udaram,
em sânscrito, hystéra, em grego, e uterus
em latim.[4]
Uma segunda hipótese
aventada é que uterus derive de outra palavra latina,
uter,
que quer dizer odre (recipiente de couro utilizado para guardar água
ou vinho).
A palavra uterus
foi inicialmente utilizada pelos romanos para designar apenas o útero
grávido, o qual lembraria um odre cheio de água pela presença
do líquido amniótico.[1] Posteriormente, passou a nomear
o órgão, independentemente do seu estado.
Além de uterus,
a palavra vulva, que também se escrevia volva,
era empregada em sentido abrangente, incluindo todo o aparelho reprodutor
feminino, conforme atestam várias passagens nos livros de Celsus.[5]
Mais tarde limitou-se a designar a vagina e, finalmente, restringiu-se
à genitália externa.
Do latim matrix, icis,
correspondente a métra em grego, derivam matrice
em francês e italiano, e matriz em espanhol e português,
igualmente usados para nomear o útero. Em português matriz
tem ainda a acepção de fêmea de um animal em fase reprodutiva.
Em inglês e alemão,
além do termo latino uterus, usam-se, alternativamente,
denominações próprias desses idiomas. Útero,
em inglês, traduz-se por womb, vocábulo de origem desconhecida
[6] e, em alemão, por Gebärmutter, que contém
a idéia de maternidade. Em sueco e dinamarquês designa-se
o útero por livmoder (mãe da vida). Na língua basca o
útero é denominado haurtoki, de haur, criança,
e toki, lugar, ou seja, local de origem da criança.[7]
Na linguagem popular do
Brasil o útero é chamado de mãe-do-corpo, denominação
que define a importância que instintivamente se confere ao órgão
onde se forma o corpo da criança.[8]
Referências bibliográficas
1. SKINNER, H.G. - The origin of medical terms, 2.ed.,
1961, p. 416
2. WATKINS, C. - Indo-european roots. In MORRIS,
W. (Ed.), The american heritage dictionary..., 1981, p. 1527
3. LIDDELL, H.G., SCOTT, R. - A greek-english lexicon,
9.ed., 1983
4. ERNOUT, A., MEILLET, A. - Dictionnaire étymologique
de la langue latine, 4.ed., 1979
5. CELSUS - De Medicina, IV. I. The Classical Library,
vol.1, 1971, p. 360
6. OXFORD ENGLISH DICTIONARY (Shorter), 3.ed., 1978
7. ARRIAGA, J. L.- Diccionario castellano-vasco, 1984
8. SÃO PAULO, F. - Linguagem médica popular
no Brasil, 1970, p. 223
Publicado no livro Linguagem Médica, 3a. ed., Goiânia, AB Editora
e Distribuidora de Livros Ltda, 2004..
Joffre M de Rezende
Prof. Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de Goiás
Membro da Sociedade Brasileira de História
da Medicina
e-mail: jmrezende@cultura.com.br
http:www.jmrezende.com.br
10/09/2004.